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Antonio Prata
Primeira festa pós-quarentena. O anfitrião, ansioso, passa de roda em roda entretendo os convidados. Ao lado da janela avista, sozinho, um desconhecido.
— Oi, tudo bem? Você é o…?
— Novo Normal.
— Não acredito! Você é o Novo Normal?!
— Eu mesmo.
— Rapaz! Você chegou, finalmente! Faz um ano que só falam de você! Ah, o Novo Normal vai ser assim, o Novo Normal vai ser assado! Posso te dar um abraço?
O Novo Normal recua.
— Ah, claro! Contágio, né? Óbvio! Gente, gente! Vem cá! Esse aqui é o Novo Normal!
Uma meia dúzia se aproxima, uns estendem as mãos, outros já se espicham pra um beijo.
— Péra, pessoal, o Novo Normal é sem abraço, beijo ou aperto de mão, certo, Novo? Pode chamar de Novo?
— Prefiro Novo Normal, pra não confundir com o partido.
Uma convidada o olha, curiosa.
— Não sei por que, mas confesso que eu te esperava baixo, gordinho e careca.
— Muita gente me imagina assim. Acho que é o nome, né? Novo Normal, muito “o”, lembra ovo… Mas durante a quarentena o pessoal comeu muito, o Novo Normal é alto.
— Escuta, cê aceita uma bebida? Uma comida?
— Obrigado, eu engordei 7 kg durante a quarentena e bebi demais. Os hábitos do Novo Normal agora são comida saudável e zero álcool.
Uma convidada abandona, discretamente, a taça de vinho sobre uma mesa. Um convidado dispensa uma empada num vaso de pacová. Um outro puxa papo.
— Fala mais de você. O Novo Normal gosta de sair? De ir no cinema? No teatro? Em show?
— Não. Nada disso rola com o Novo Normal. Com a quarentena, as relações à distância se estabeleceram pra ficar.
Uma convidada, decepcionada, toma a dianteira:
— E aquela previsão de que o Carnaval pós-quarentena ia ser tão louco que faria Sodoma e Gomorra ficarem parecendo Aparecida do Norte?
— Deu chabu. O Novo Normal é saudável, cauteloso, precavido. O carnaval pós pandemia será pelo Zoom. Quem quiser anotar aí, aliás: www.telecotech.ziriguizoom.med.
— Ponto med?!
— É. O Carnaval agora é organizado pelo Ministério da Saúde. E o Carnaval de rua, pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, porque é todo dentro do Minecraft.
— Que horror! Eu tô solteira! Como eu vou arrumar um namorado, assim?
— Uma das coisas que a quarentena provou é que todo mundo pode viver sem sexo, contanto que o Pornhub e o Redtube liberem o acesso.
— Você não tem namorada?
— Presencialmente, não.
Deprimido com o Novo Normal, o anfitrião sai da roda discretamente e vai tomar uma água na cozinha. Ali encontra uma galera aglomerada, morrendo de rir de uma história contada por um gordinho, baixinho, careca, uma versão gente fina de um George Costanza, com uma cerveja numa mão e um cigarro na outra. O anfitrião cutuca uma amiga por ali:
— Quem é o figura?!
— Não tá reconhecendo? É o Velho Normal! Saindo daqui a gente vai pra um caraoquê na Liberdade e vamos terminar a noite comendo uma bisteca no Sujinho. Topa?
Quatro e meia da manhã, abraçados, todos sobem a Consolação pulando e cantando: “Ooooo! Velho Normal voltô ô ô! Velho Normal voltô ô ô! Velho Normal voltôôôô oooo!”.