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Yanca Fragata dos Santos
Todo dia pode ter um traço singular, e geralmente tem. Isso é comum. Mas às vezes esse momento singular é composto de um simples instante muito especial, feito crônicas que revelam a grandeza que há numa pequena cena, a poesia nas coisinhas do dia a dia.
Naquele dia um calafrio me madrugou. Os ponteiros luminosos do despertador em silêncio marcavam exatamente cinco horas. Pus meus pés para fora da rede, visto um casaco, saio do quarto e no corredor, o calafrio foi ficando ainda mais frio, arrepiando todos os pelos do meu corро.
Fui até a cozinha, preparei um copo de achocolatado bem quentinho. Antes de tomá-lo, abri a porta de saída para o quintal, sentei no batente e por segundos aspirei o cheiro da fumaça que saia do copo, olhando para a imensidão das posses do meu vizinho dos fundos, o Rio Amazonas. E apesar do achocolatado quentinho e do calor amazônico de sempre, o calafrio continuava comigo.
Algo entristecia meu coração, fazendo-o bater devagar e forte ao mesmo tempo. Algo difícil de compreender. Naquele instante, quis ler meu livro preferido ao pé da Mangueira da pracinha ao lado de casa, então fui, e o calafrio comigo.
Quando abri o livro, foi como se libertasse dele um forte vento de prenúncio do amanhecer daquele dia. Depois de muitas páginas lidas, desço a escadaria da pracinha, ponho minhas mãos na água e sinto a correnteza do maior rio do mundo. Ventania gostosa, mas algo me entristecia por dentro. O calafrio de alguma forma me acompanhava para onde eu fosse. De repente, sinto o toque de uma mão amaciando meus cabelos. E mesmo sem falar nada, logo percebi que era a minha mãe. Quando a olhei, me deu um leve sorriso. Sentamos lado a lado no passeio do muro de arrimo, com nossos pés dentro d’água. Ela segurou minha mão como se nunca mais fosse soltar, olhando-me com os olhos úmidos. Naquele instante tudo que eu consegui fazer for lhe dar um forte abraço. E ali, envolvida em meus braços, senti suas lágrimas caírem em minha costa. Foi como se os papéis tivessem se invertido: eu era a pessoa que a protegia e a consolava; e ela, uma criança aos prantos, que precisava de ajuda.
O abraço já durava minutos. E com os primeiros raios solares espelhando nas águas barrentas do Amazonas, no toldo do barco que passa singrando o rio, na copa das samaumeiras soberanas na outra margem, nos bandeirões dos currais dos Bois Bumbas Garantido e Caprichoso, nos telhados das casas da nossa encantada ilha de Parintins, nos cabelos de minha mãe e na minha alma, expulsando o calafrio, disse-lhe: “Feliz Dia dos Pais, Mamãe!”