Oficina 5

Etapa 3

Como é que é? A estrutura composicional

(90 minutos)

  • Faça cópias do artigo de opinião “Retrocesso cultural: Tudo começa com “um passinho”?, de Rayana do Nascimento Cruz, que era estudante do Ensino Médio na Ilha de Itamaracá, Pernambuco, quando escreveu o texto. Escreva o título do artigo e o nome da autora na lousa.
  • Entregue a cada estudante apenas um parágrafo do texto, mas garanta que o mesmo número de cópias de cada parágrafo foi distribuído pela sala.
  • Apresente ao grupo a estrutura mais comum dos textos argumentativos, o que inclui os artigos de opinião. Em geral, há introdução, desenvolvimento e conclusão. Se necessário, use o material a seguir como apoio.

Estrutura dos textos dissertativos

O texto dissertativo tende a se organizar em três grandes partes (introdução, desenvolvimento e conclusão), que, grosso modo, correspondem, respectivamente, às decisões tomadas pelo articulista a respeito de como começar o seu texto, dar a ele a melhor sequência e, por fim, “passar a palavra”, com a convicção de “ter dado o recado”.

Introdução: Cumpre várias funções, pois apresenta o assunto; aponta, direta ou indiretamente, a questão polêmica; situa essa questão no tempo e no espaço (contextualização); especifica o âmbito do debate; indica, direta ou indiretamente, quem são seus interlocutores – apoiadoras(es), adversárias(os), as(os) próprias(os) leitoras(es -; esclarece as motivações da(o) articulista (“Escrevo esse artigo porque…”) etc. Pode, ainda que não obrigatoriamente, apresentar a tese – ou o ponto de vista – da(o) autora(or). Normalmente, ocupa um parágrafo, logo no início do texto.

Desenvolvimento: Parte do artigo em que o articulista explica e justifica as posições e a opinião dele sobre o assunto – apresentando argumentos, indicando as condições em que devem ser recebidos (“é certo”; “é provável”; “é possível”; “em tais ou quais situações” etc.), expressando convicções, esclarecendo o sentido de algum vocábulo importante, analisando e avaliando fatos, examinando dados de pesquisas, resumindo e contestando posições contrárias defendidas por adversários etc. Assim, a principal função do desenvolvimento é reunir e examinar informações que sirvam de argumentos adequados para a sustentação da tese.

Conclusão: Como o próprio nome indica, a conclusão não é apenas o fechamento do texto, mas, principalmente, o ponto de chegada de todo o raciocínio desenvolvido. A principal função da conclusão é (re)apresentar explicitamente a opinião da(o) articulista. Mesmo que ela já tenha aparecido na introdução – ou, menos provavelmente, no desenvolvimento –, é na conclusão, ou seja, depois de todo um adequado trajeto argumentativo, que ela aparece como opinião fundamentada e, portanto, como tese.

  • Dê ao grupo a missão de montar o quebra-cabeça textual. Primeiro, eles precisam reunir os parágrafos que estão separados. Depois, precisam colocar esses parágrafos em uma ordem que pareça fazer sentido e corresponder à estrutura teórica apresentada.
  • Projete a versão original e completa do artigo e verifique quais grupos conseguiram montar o “quebra-cabeça”. Questione se, conforme as definições apresentadas de introdução, desenvolvimento e conclusão, haveria outras possibilidades de arranjo para o texto de Rayana.

Retrocesso cultural: Tudo começa com “um passinho”?

Rayana do Nascimento Cruz

[INTRODUÇÃO]

  1. Um estado que se orgulha por de suas veias correr um sangue cultural extremamente rico que eclode na voz da preta cirandeira Lia de Itamaracá, nas rodas do coco, na xilogravura de J. Borges, na arte armorial do mestre Suassuna, no fervor do frevo e na apoteose do maracatu, atualmente tem sido invadido por uma nova febre popular – o passinho – que tomou conta do cenário artístico pernambucano, nos fazendo refletir: – É um retrocesso cultural?

[DESENVOLVIMENTO]

  1. Na ilha de Itamaracá há as “batalhas do passinho” que reúnem grupos para as disputas de coreografias. Esse movimento virou um símbolo de resistência da periferia e um grito de identidade na vida dos jovens que fazem parte dessa cultura de massa, pois para muitos torna-se um muro de contenção para a violência e as drogas, já que muitas vezes os integrantes dos grupos ficam horas ensaiando, criando coreografias e assim ficam longe do contato com a hostilidade e a perversidade que existem, infelizmente, nas comunidades da Ilha.
  2. Para Ricardo Silva, integrante de um dos grupos de passinho da Ilha, o importante mesmo é ser reconhecido, pois junto com o brega funk, esse novo ritmo tem tirado muita gente do tráfico. O jovem ainda acrescenta que poderia ser mais um na Penitenciária Barreto Campelo, mas preferiu o lado da arte e se deu uma nova chance. Sem dúvida, um movimento artístico como esse muda a vida de um ser humano, pois independente de gênero, classe social, etnia ou orientação sexual, a arte sempre transforma. Assim, como arte vinda dos menos favorecidos, o passinho também é uma mobilização social. É preciso que seja reconhecido, pois veio despir o preconceito da cultura periférica que desde sempre é excluída da sociedade, como o rap, o grafite e outras culturas que fazem parte das comunidades.
  3. Por outro lado, muitas letras de música não são nenhuma composição da Bia Ferreira ou do Caetano Veloso e contribuem com a cultura do machismo que está enraizada na sociedade. E, é claro que são sexistas, pois abordam os interesses masculinos com base nos seus desejos carnais, tratando a mulher como objeto, como no trecho: “Arrastei ela pro meu carro, dei um trato e um amasso”, dos cantores Shevchenko e Elloco. Essa cultura de tratar a mulher como propriedade masculina enfraquece o movimento feminista que em Itamaracá ainda é muito pequeno devido a pensamentos patriarcais e machistas. Felizmente já há grupos que relutam para que suas músicas fujam das características negativas, mas continuam sendo vítimas de críticas, talvez por pertencerem a um movimento de periferia ou pela frequente presença de crianças nas disputas que, para muitos ilhéus, demonstra a substituição da antiga dana das cadeiras infantil pela “novidade” do brega funk e a igualdade da ciranda pela rivalidade das batalhas. É mesmo um retrocesso?
  4. A Ilha de Itamaracá é a terra da ciranda e durante anos vem sofrendo uma desvalorização cultural e o passinho, de certo modo, chega a ameaçar a cultura itamaracaense, pois grande parte da população jovem não dá mais voz e espaço às belas tradições da ilha que estão a cada dia sendo esquecidas. Como exemplo temos a “sambada de coco” que ocorria na praia da colônia de pescadores e acabou sendo interrompida por falta de verba. Como símbolo de resistência, o grupo Nossa Cultura Tem Som foi criado para homenagear as mestras Lia da Ciranda, Anjinha e Totinha do Coco e também resgatar esse valor cultural que ao longo dos anos vem perdendo espaço para os produtos da globalização.

[CONCLUSÃO]

  1. É perceptível que as ideias fixas só crescem quando se fala em ruptura de tradição, mas quando são cheias de histórias, é difícil ficar ao lado de uma cultura que tem pontos negativos, ofensivos para quem está fora do movimento e muitas vezes age por discriminação. Acredito que o passinho não seja um retrocesso propriamente dito, pois é fato que está ajudando a vida dos jovens nas comunidades de Itamaracá. Mas para ser reconhecido como mobilização, precisa de uma “reforma” sem deixar vestígios de preconceito, machismo e conteúdos eróticos que infelizmente são fortemente consumidos pela indústria.
  • Faça a leitura em voz alta do texto e promova a análise da estrutura em parceria com as(os) alunas(os).

Roteiro de análise

Que informações a autora usa para contextualizar o tema?

Note-se que o grande tema do artigo de Rayana é a cultura no estado em que vive, Pernambuco, por isso, ela lança mão da enumeração de fenômenos culturais como as rodas de coco e as xilogravuras de J. Borges. 

Qual é o tema central do artigo e a questão polêmica que procura debater?

A resposta está no final da introdução: “atualmente, tem sido invadido por uma nova febre popular – o passinho – que tomou conta do cenário artístico pernambucano, nos fazendo refletir: – É um retrocesso cultural?”. A autora falará sobre uma nova manifestação cultural e discutirá se representa progresso ou retrocesso para a região.

O que a autora defende?

Ao longo do texto, Rayana aprofunda-se na contextualização do tema para explicar às(aos) leitoras(es) o que é o passinho. Apresenta aspectos positivos da prática, como a inserção social de jovens em situação de vulnerabilidade social, como acontece no segundo e no terceiro parágrafos. Entretanto, também demonstra insatisfação com o conteúdo de algumas letras de músicas tocadas nas batalhas de passinho.

Em que momento do texto a tese – ou o ponto de vista – da autora fica claro?

Vale chamar atenção para a conclusão, no quinto parágrafo, em que a autora responde à questão proposta na introdução: “Acredito que o passinho não seja um retrocesso propriamente dito, pois é fato que está ajudando a vida dos jovens nas comunidades de Itamaracá. Mas para ser reconhecido como mobilização, precisa de uma “reforma” sem deixar vestígios de preconceito, machismo e conteúdos eróticos que infelizmente são fortemente consumidos pela indústria”. Desse modo, embora a questão polêmica seja identificada na introdução, é apenas na conclusão, como derivação do desenvolvimento argumentativo, que a autora deixa claro seu ponto de vista, “passa o recado” para o público.

  • Explique à turma que elas(es) fizeram a análise da estrutura composicional de um artigo de opinião, mas que essa estrutura não é uma receita, com passos bem definidos para serem meramente reproduzidos.
  • Enfatize que parte do estilo das(os) autoras(es) advém justamente da maneira como manipulam a estrutura para alcançar seus objetivos. O texto de Rayana Cruz gera expectativa no leitor ao discutir aspectos positivos e negativos da questão e afirmar seu ponto de vista – que, diga-se, não é simples, pois representa uma visão ponderada sobre o assunto – apenas no final.
  • Compare os textos de Rayana e Jeferson para mostrar que têm mais ou menos a mesma extensão. No primeiro caso, são cinco parágrafos com tamanho semelhante. No segundo, são oito parágrafos, também com alguma simetria. São textos de origem jornalística, quando os jornais ainda eram impressos e distribuídos, em geral, uma vez ao dia. Lia-se em momentos de pausa e com alguma velocidade. Afinal, o que é polêmica hoje pode deixar de ser amanhã. Daí, a extensão mais breve do que a de um conto ou reportagem, por exemplo.
  • Aponte, em ambos, a presença de títulos sintéticos, que cumprem diferentes funções. No texto de Jeferson, o título resume o ponto de vista do autor. No de Rayana, há o convite à reflexão e a multiplicidade de significados dada pelo uso da palavra passinho.
  • Caso considere pertinente, faça a análise do artigo de Jeferson Tenório também com o intuito de evidenciar a estrutura composicional mais ou menos flexível dos textos de opinião. As análises feitas com frequência ajudarão o grupo a se familiarizar com a estrutura, reconhecendo-a com mais facilidade tanto nos momentos de leitura quanto de escrita.

JANELA TEÓRICA

A estabilidade nos gêneros do discurso

Falamos apenas através de certos gêneros do discurso, isto é, todos os nossos enunciados têm formas relativamente estáveis e típicas de construção do conjunto. Dispomos de um rico repertório de gêneros de discursos orais (e escritos). Em termos práticos, nós o empregamos de forma segura e habilidosa, mas em termos teóricos podemos desconhecer inteiramente a sua existência. […] Nós aprendemos a moldar o nosso discurso em forma de gênero e, quando ouvimos o discurso alheio, já adivinhamos o seu gênero pelas primeiras palavras, adivinhamos certo volume (isto é, uma extensão aproximada do conjunto do discurso), uma determinada construção composicional, prevemos o fim, isto é, desde o início temos a sensação do conjunto do discurso que, em seguida, apenas se diferencia no processo de fala. Se os gêneros do discurso não existissem e nós não o dominássemos, se tivéssemos de criá-los pela primeira vez no processo do discurso, de construir livremente cada enunciado e pela primeira vez, a comunicação discursiva seria quase impossível (p. 38 e 39).

Trecho do texto “Os gêneros do discurso”, de Mikhail Bakhtin, disponível no livro de mesmo nome, com tradução de Paulo Bezerra (Editora 34, 2016). Grifos do autor.

EM SÍNTESE

Professora(or),

tendo como ponto de partida a realidade das(os) estudantes, procuramos consolidar o conceito de gênero textual associado às práticas reais de uso da linguagem. Valorizamos também os olhares sobre o território para problematizar questões sociais e, mais uma vez, relacionar o estudo do artigo de opinião ao impacto sobre a vida cotidiana e à vivência crítica e democrática.

VEM AÍ!

Na oficina 6, nossa pauta será o planejamento dos artigos de opinião. Após a reflexão sobre função social e estrutura composicional, faremos uma prática de cartografia para investigar o território. Também discutiremos estratégias para construir o ponto de vista sobre um tema e maneiras de organizar as ideias que as(os) estudantes desejam defender.