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Para esta oficina escolhemos como ponto de partida a leitura de dois poemas: “Milagre no Corcovado”, de Ângela Leite de Souza, e “Cidadezinha”, de Mario Quintana. Nesta primeira etapa vamos levar a turma a perceber o tema dos poemas: um lugar onde poetas vivem ou que apreciam muito. Na segunda etapa vamos ver que tanto Ângela Leite quanto Mario Quintana falam de temas semelhantes e usam recursos poéticos parecidos.
Para saber mais, confira o artigo “O lugar onde vivo – Um dedo de prosa sobre o tema”, de Ana Maria de Carvalho Luz, na revista Na Ponta do Lápis, nº 20.
Todas as noites
de céu nublado
no Corcovado
faz seu milagre
o Redentor:
fica pousado
no algodão-doce
iluminado
como se fosse
de isopor.
Mas todos sabem
que bem de perto
esse Jesus
é um gigante
de mais de mil
e cem toneladas…
Suba de trem,
vá pela estrada,
quem chega lá,
ao pé do Cristo,
vira mosquito.
E olhando em volta
para a cidade
de ponta a ponta
maravilhosa
a gente sente
um arrepio:
o milagre
é o próprio Rio!
Ângela Leite de Souza. Meus Rios. Belo Horizonte: Formato, 2000.
Rimas consoantes – aquelas em que rimam tanto as vogais quanto as consoantes. Primeira estrofe: nublado / Corcovado; Redentor / isopor; doce / fosse. Segunda estrofe: toneladas / estrada; arrepio / Rio.
No poema também há a rima toante – quando coincide apenas o som da vogal tônica das palavras: Ao pé do Cristo, vira mosquito.
Os versos, na maioria, são curtos; a sonoridade e o ritmo do poema são marcados. Repete-se a palavra “milagre” duas vezes: uma, na primeira estrofe; outra, na segunda, além de ela figurar no título do poema. O primeiro “milagre”, no texto, está apresentado por meio de uma metáfora: “o Redentor: / fica pousado / no algodão-doce”.
Ela se complementa por uma comparação, com o termo comparativo expresso: iluminado / como se fosse / de isopor. Tanto “nuvem” quanto “isopor” indicam figuradamente a imagem vista pelos habitantes da cidade: a bruma que envolve a estátua, em tons de cinza-claro; e a própria estátua, branca, pairando acima delas.
O termo “mas”, indicador de oposição, separa as duas primeiras estrofes pelo seguinte motivo: o “milagre” da primeira é um efeito visual da noite nublada, uma espécie de ilusão de ótica, isto é, o olhar pensa ver o que o verso descreve, mas quem olha sabe que, na verdade, se trata de uma estátua acima das nuvens; o “milagre” da segunda é a vista real que se tem do alto do Corcovado: a paisagem da cidade maravilhosa, tão impressionante, que causa “arrepio” em quem a contempla.
Cidadezinha cheia de graça…
Tão pequenina que até causa dó!
Com seus burricos a pastar na praça…
Sua igrejinha de uma torre só…
Nuvens que venham, nuvens e asas,
Não param nunca nem um segundo…
E fica a torre, sobre as velhas casas,
Fica cismando como é vasto o mundo!…
Eu que de longe venho perdido,
Sem pouso fixo (a triste sina!)
Ah, quem me dera ter lá nascido!
Lá toda a vida poder morar!
Cidadezinha… Tão pequenina
Que toda cabe num só olhar…
Mario Quintana, in: Lili inventa o mundo. São Paulo: Global, 2005. © by Elena Quintana.
Leve a turma a notar que o poema tem quatro estrofes desiguais: dois quartetos, seguidos de dois tercetos (estrofes de três versos). As rimas estão nos versos pares, nos dois quartetos; nos tercetos, rimam os versos 1 e 3. O ritmo é regular e cadenciado.
Logo no título aparece um diminutivo. Comente o efeito desse emprego: indica tamanho apenas, ou sugere algo mais? Supõe-se que notem o tom afetivo, carinhoso, igualmente presente em outros diminutivos: pequenina (duas vezes), burricos, igrejinha, cidadezinha (segunda ocorrência, além da do título).
No segundo quarteto, o termo “nuvens” – metaforicamente presente no poema anterior, na expressão “algodão-doce” – vem repetido duas vezes, sugerindo movimento: “Nuvens que venham, nuvens e asas, / Não param nunca nem um segundo”.
A imagem de altura é sugerida por qual elemento? Os alunos e alunas vão identificar a torre personificada, pois o poeta a faz refletir como um ser humano: “Fica cismando como é vasto o mundo!…”.
Interpretando os versos finais: “Tão pequenina / Que toda cabe num só olhar…”, podemos dizer que para caber “num só olhar” é preciso contemplar de uma certa distância, pois, de perto, a visão seria diferente. Seria esse um ponto de semelhança com o poema anterior?